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Masculinidades e construção social da violência

Luiz Henrique Passador1

 

Publicado em “Outras Vozes”, nº 43-44, Dezembro de 2013

 
O presente trabalho refere-se aos dados e análises produzidos durante minhas investigações para o doutoramento, que foram realizadas entre 2007 e 2009 no distrito de Homoíne, na província de Inhambane. A pesquisa debruçou-se sobre o universo da tradição e das doenças tradicionais, para compreender como o HIV/SIDA era pensado e experimentado pela óptica da matriz tradicional naquele contexto. Deve-se, portanto, atentar para o facto de que as discussões e análises neste texto partem de um trabalho limitado a um universo social e problemática bastante específicos, mas que permite pensarmos as questões relativas às construções dos géneros (e mais especificamente, das masculinidades) num contexto mais amplo, ao menos no Sul de Moçambique.

Outra ressalva importante diz respeito aos usos que faço no texto dos termos dicotómicos “tradição” e “modernidade”, e “urbano” e “rural”. Em trabalhos anteriores (Passador 2008, 2009, 2010 e 2011) discuti sobre as possibilidades de se utilizar tais categorias classificatórias e analíticas para compreensão dos fenómenos observados na área que pesquisei. Desde então tenho tomado o ponto de vista êmico dos meus sujeitos de pesquisa como marco classificatório, respeitando o que eles próprios classificavam como tradicional, moderno, urbano (“cidade”) e rural (“campo” ou “mato”). Essas fronteiras classificatórias eram atribuídas e operadas por eles próprios de forma fluida e mutável (muitas vezes contraditórias e paradoxais), como forma de discursar e lidar com suas questões quotidianas. Por isso, reconheço que há grande dificuldade em se determinar de forma objetiva o que são esses atributos, uma vez que estão sempre em negociação e resignificação pelos próprios sujeitos que os classificam.

Os referenciais teóricos básicos que norteiam as análises que se seguem são as obras de Joan Scott (1995), Michel Foucault (1980) e Judith Butler (2003). De Scott, tomo a premissa de que o género opera como uma categoria analítica que permite compreender contextos e processos socioculturais e históricos, desvendando as suas lógicas mais amplas e profundas – neste sentido, é uma categoria analítica tão crucial quanto as categorias de classe social e cor/raça para análises socioculturais e históricas. De Foucault empresto a perspectiva que reconhece que, no campo social e histórico das relações de poder, as instituições produzem os sujeitos que elas querem representar e controlar, através da agência de seus dispositivos (formais e informais) de poder – neste sentido, género e sexualidade são discursos e dispositivos de poder que produzem sujeitos, corpos e relações disciplinadas, representáveis e controlados por instituições tanto formais (o Estado, seus códigos e aparelhos, por exemplo), quanto informais (a cultura e a tradição, por exemplo). Por fim, de Butler incorporo as análises que a autora faz do género como performatividade, resultante de uma matriz heteronormativa a partir da qual os sujeitos produzem os géneros e corporalidades que tanto podem repor as relações de poder e normatividades institucionalizadas, quanto subvertê-las.

Partindo das contribuições desses autores, penso que a violência de género pode ser entendida como resultante de uma matriz heteronormativa institucionalizada, que perpassa relações sociais e intersubjetivas, e permite produzir sujeitos masculinos e femininos postos em relações de poder e hierarquia organizada por tal matriz. A violência, como dispositivo de poder e parte integrante de instituições formais e informais, pode operar como linguagem e performance produtivas e legitimadas por elas. Dessa forma, através de instituições formais e informais, que remetem tanto à “cultura” e à “tradição”, quanto ao Estado e sua estrutura legal, a violência de género pode ser reconhecida como atributo constituinte e legítimo de sujeitos genderizados, e operar como dispositivo que permite produzir os géneros, as sexualidades e os sujeitos que essas instituições querem reproduzir, representar e controlar.

Nessa perspectiva, as masculinidades podem ser compreendidas como performatividades que os sujeitos constroem a partir de matrizes socioculturais historicamente constituídas. Comumente pensados numa relação de oposição complementar ao feminino – sendo tal oposição potencialmente geradora de tensões e conflitos entre os sujeitos masculinos e femininos – os sujeitos masculinos podem lançar mão da violência como dispositivo legítimo para se constituírem como tais quando a violência é reconhecida como atributo diferencial da masculinidade e da sua performatividade. É neste sentido que penso ser possível falarmos numa construção social das masculinidades e da violência como atributo masculino legitimado nas relações entre os géneros, que se observa em contextos tradicionalmente organizados em torno do poder masculino, como é o caso do Sul de Moçambique.

Três casos por mim observados em Homoíne, e sucintamente descritos abaixo, permitem que compreendamos mais especificamente como se dá a construção da masculinidade tradicional naquele contexto:

  1. Um jovem morador do interior do distrito (numa zona que era classificada como “mato” pelos habitantes da vila-sede) relatou-me que, junto com o irmão mais velho, estudava na escola secundária na vila enquanto sua irmã mais nova, por determinação dos pais, deixou os estudos após completar o nível primário. A família não tinha condições de manter os três filhos estudando na vila-sede e, por isso, direcionou os filhos homens para os estudos, mas ela permanecia em casa, auxiliando a mãe na machamba e nos trabalhos domésticos enquanto não se casasse. O jovem relatou-me também que tinha planos de ir às minas da África do Sul para juntar dinheiro e assim poder pagar o lobolo, a fim de desposar a sua então namorada. O pai e demais homens adultos da família já haviam migrado para as minas quando jovens, com o mesmo objetivo. Naquela zona, essa era uma prática tradicional e bastante difundida. Aos homens cabia, portanto, o protagonismo no estabelecimento de alianças matrimoniais, assim como a prioridade de acesso à educação e ao mercado de trabalho assalariado.
  2. Na vila-sede, durante uma cerimónia de lobolo ao qual eu assistia como convidado do pai da noiva, um dos genros da casa (esposo da irmã mais velha da noiva) referiu-se à sua esposa como aquela cuja função era servi-lo sexualmente, mesmo que ela não o desejasse, pois como esposo tinha direito ao sexo quando bem entendesse. Para tanto, disse que até mesmo usaria a força física para manter relações sexuais com a sua esposa, e ela não poderia reclamar. A afirmação foi feita de forma peremptória num grupo de conversa que, além de mim, incluía a sua esposa, seus sogros, seus cunhados e cunhadas, e outros convidados. A sua fala recebeu aprovação e concordância daqueles que a ouviram no grupo. Apenas a sua esposa demonstrou certo constrangimento, porém resignação em relação à sua função sexual como cônjuge. O direito do marido de manter relações sexuais com sua esposa, mesmo que ela não desejasse, explicitou-se naquela ocasião como um discurso que eu já verificara estar presente em outras falas e ocasiões observadas, denotando assim ser um consenso social mais amplo e aceito.
  3. Certo dia, na missão católica na qual eu me hospedei durante as minhas investigações no distrito, apareceu um homem que carregava o seu filho amarrado ao corpo com uma capulana. Chamou-me a atenção ver, pela primeira vez, um homem a carregar um bebé dessa maneira, pois até então eu só observara mulheres a fazer isso. Ele fora à missão procurar os freis em busca de apoio, pois conforme me relatou, a sua esposa falecera e ele estava só, tentando cuidar sem sucesso da machamba e da criança. A família dele era contra o casamento por julgar que a família de sua esposa praticava feitiçaria, e rompeu relações após ele insistir em se casar com ela. Com a viuvez, restou-lhe apenas o filho, do qual não conseguia cuidar, e a machamba na qual não conseguia trabalhar. Esses trabalhos eram feitos por sua esposa, como de costume. A família da esposa também não quis dar-lhe qualquer amparo. Tampouco os seus vizinhos se dispuseram a ajudar. Era um homem cuja masculinidade havia sido socialmente desconstruída com a perda da esposa, o rompimento com a família e o afastamento dos vizinhos.

Esses três casos remetem à condição masculina e às estratégias sociais que a constroem ou desconstroem naquele contexto. O homem respeitado socialmente é classificado como “homem grande” (ou nhenhe wa hombe em citsua, que é língua dominante em Homoíne), e porta os marcadores sociais que os seus pares reconhecem como marcadores de uma masculinidade positiva, ideal e desejada.

A construção deste “homem grande” impõe enorme ansiedade aos homens. Existir socialmente como homem está vinculado à constituição de um núcleo familiar e de descendência (filhos, netos, etc.), circunscrita a um núcleo de residência virilocal em relação com outros núcleos de mesma ordem, construindo redes sociais cujos nós são sempre os homens grandes e as relações que estabelecem entre si. Homens sem mulheres, filhos e terras, e sem uma rede de amizades e vizinhança, são homens incompletos, não-homens, do ponto de vista do reconhecimento social de seus pares. Junod já descrevia o “homem grande”, na passagem do século XIX para o século XX, como aquele que se realizava pela construção de uma aldeia circular, formada por núcleos poligâmicos compostos pelas residências das suas esposas e dos seus filhos que se casavam, traziam esposas para a aldeia e produziam descendentes. As filhas, por sua vez, eram loboladas e produziam relações de aliança com outros núcleos de descendência patrilinear, estabelecendo redes de parentesco por afinidade, acrescidas de redes de amizades formais e redes de vizinhança. O “homem grande”, portanto, era aquele que se construía como o centro de uma rede de relações de descendência e alianças, que se materializavam nas terras e posses, e que estabelecia uma rede ampla de relações com outros homens grandes. É esse ideal tradicional que pude perceber ainda ser o referencial para a construção das masculinidades no início do século XXI em Homoíne (uma zona marcadamente rural, mas com uma vila-sede reconhecida pelos habitantes do distrito como tendo um ambiente urbano).

Num ambiente de economia de mercado e urbanidade, que são referenciais importantes para aqueles sujeitos reconhecerem a presença de um universo classificado por eles como moderno, a demanda por construção de descendência e alianças, e o alargamento das posses e relações entre pares, modifica-se incorporando o emprego e o sucesso profissional como demandas sociais. O “homem grande” passa a ser também, e principalmente, aquele que possui um negócio próprio e rentável ou uma boa colocação no mercado de trabalho, tanto público quanto privado, com a agravante de estar inserido num contexto individualizante e de grande competitividade entre indivíduos.

Embora modificada, essa masculinidade permanece focada na produção do homem protagonista, cujo complemento é a mulher produtora de filhos, subordinada a uma matriz de viés patriarcal. Embora haja, portanto, um processo de transformação e modernização pela via do mercado capitalista e do individualismo, a matriz normativa e hierárquica que estabelece as relações de género permanece marcada pela dependência e subordinação entre os géneros. Se as mulheres permanecem subordinadas e dependentes dos homens, os homens também permanecem subordinados à demanda social da produção da descendência, seja pela via das alianças matrimoniais oficializadas, seja pela via de alianças não formais, mas que pressupõem a produção de filhos. Dessa forma, os homens também são dependentes das mulheres para se constituírem socialmente como tais.

A poligamia, que é o regime matrimonial que está na base do “homem grande” de Junod e que até hoje permanece como prática e até mesmo ideal, demanda um homem sexualmente activo e potente, assim como o mercado demanda um homem economicamente activo e com posses. Essa articulação entre demandas tradicionais e modernas ficava explícita, por exemplo, nos anúncios de médicos tradicionais que circulavam em jornais à época das minhas investigações, nos quais eram oferecidas soluções para as aflições impostas pela economia de mercado moderna (emprego, sucesso e estabilidade profissional, aquisição de bens) tanto quanto para as aflições relativas à sexualidade masculina tradicional (potência sexual, fertilidade, tamanho do pénis, DTSs). Ainda que a vida económica tenha sofrido modificações com o advento dessa modernidade, a matriz cultural tradicional persiste em alguma medida ao vincular e impor a reprodução sexual e a produção de filhos à produção social de uma masculinidade fundada na descendência e nas posses. Com uma agravante: se no regime de agricultura familiar tradicional os filhos são sinónimo de riqueza, no regime do mercado capitalista moderno os filhos tendem a reverter também em despesas, o que agrava as ansiedades que a masculinidade de cariz tradicional impõe aos homens num contexto em franca transformação.

Em trabalhos anteriores eu abordei a situação das mulheres dentro dessa matriz tradicional e sociocultural de género, na qual elas ocupam uma posição de subalternidade e são reiteradamente objetos de acusações de feitiçaria, o que redunda em violência contra essas mulheres até mesmo dentro de suas próprias famílias, das quais são frequentemente expulsas (Passador op. cit.). Eu apontava que um alegado poder feminino de produção de malefícios, representado maioritariamente pela feitiçaria, era o argumento sobre o qual se legitimava o exercício de um poder de facto sobre as mulheres, exercido principalmente por homens, mas também por outras mulheres (como é o caso das acusações de feitiçaria que proliferam entre sogras e noras, por exemplo). A feitiçaria pensada como atributo feminino operava assim como argumento para legitimar uma série de violências contra as mulheres. Da parte dos homens, a atribuição de tal poder às mulheres tinha por efeito a percepção de uma grande vulnerabilidade deles em relação a essas ditas “mulheres más”. Temiam, por exemplo, os malefícios que suas esposas podiam produzir contra eles, uma vez que elas eram sistematicamente acusadas de produtoras de conflitos entre filhos e pais, e de feitiços que levavam seus esposos à morte.

Num ambiente de economia de mercado e modernidade, soma-se a isso o facto de que os homens se sentem ameaçados perante mulheres que detêm independência financeira e são até mesmo suas concorrentes no mercado de trabalho, ao passo que muitos deles enfrentam dificuldades para alcançarem tal independência dentro do mercado de trabalho formal e informal. Sentem-se ameaçados diante de mulheres que alcançam uma escolaridade e posição socioeconómica superiores às deles, quando o pressuposto cultural do “homem grande” é que a situação ideal deva ser inversa. Veem, dessa maneira, as suas masculinidades colocadas em xeque por essas formas de empoderamento feminino.

Essa matriz de relações de género é geradora, portanto, de sentimentos de vulnerabilidade e de ações de violência e contra-violência entre homens e mulheres – mas principalmente da violência de homens contra as mulheres. Homens e mulheres que dependem uns dos outros para se construírem socialmente como pessoas masculinas e femininas, mas que se temem uns aos outros, justamente pelo poder que lhes é culturalmente atribuído: o de serem também potenciais desconstrutores de homens e mulheres – seja pela não produção da descendência e das alianças, seja pela produção de mortes entre os descendentes e afins, seja pela destruição das posses e até mesmo pela produção de mortes de cônjuges e companheiros e companheiras. Essa é a raiz de uma grande parcela das situações de tensão e violência doméstica e de género que eu pude observar nas minhas investigações em Homoíne. É essa a matriz que produz relações conjugais e sexuais como a do caso 2 acima relatado, que impõe demandas e ansiedades para os jovens como os do caso 1, e que produz situações de dissolução da pessoa como a do caso 3.

Se é verdade que essa situação é resultante daquilo que se denomina “tradição” e “cultura”, também é certo que as transformações históricas são uma realidade que se impõe às formas ditas tradicionais e culturais. O “homem grande” de Junod, como referência de masculinidade, ainda persiste de forma mais ou menos semelhante ao que o missionário e antropólogo suíço descrevia no início do século XX, mas este homem também se modificou em função das interações com o jogo social daquilo que se costuma denominar modernidade, e que se constrói principalmente sobre as estruturas do mercado capitalista e do Estado de Direito. Portanto, devemos perceber a cultura como um facto dinâmico, que se transforma e se reinventa diante das condições subjetivas, sociais, materiais e políticas de existência dos sujeitos históricos. As matrizes culturais modificam-se e produzem-se constantemente no processo histórico. É essa, a meu ver, a lição que nos deixa Clifford Geertz (1989), ao reconhecer que a cultura é uma teia de significados que os sujeitos tecem e modificam à medida que interpretam e reinterpretam suas realidades e seus signos. No mais, é preciso atentarmos às críticas que Adam Kuper (2002) faz às concepções de um certo culturalismo, que tende a reificar a cultura como uma entidade autónoma e desvinculada dos processos sociais que a produzem e a transformam. Um dos riscos que se corre ao fazer-se isso é criar-se “culturas” e “tradições” oficiais, congeladas e instrumentalizadas através de instituições do Estado, por exemplo, que acabam por operar como dispositivos de poder disciplinar e de produção ou perpetuação de desigualdades. Aqui estou a me referir às discussões de Conceição Osório e Ernesto Macuácua (2013) a respeito dos ritos de iniciação em Moçambique, e às contradições que os autores percebem e apontam entre direitos culturais e direitos humanos no âmbito da gestão estatal da “tradição”, concernentes à manutenção das desigualdades de género em nome de uma certa “cultura” que os próprios sujeitos culturais criticam.

Assumir, portanto, que uma nova matriz de relações de género fundada e consolidada em torno de relações mais simétricas, que incorporem preceitos de igualdade e de direitos humanos e sexuais, e que gerem menos ansiedades e angústias para homens e mulheres, não significa negar ou destruir a cultura e a tradição, mas sim reconhecer que a cultura e a tradição são produzidas e podem ser modificadas historicamente por homens e mulheres que são sujeitos da cultura, e não apenas objectos por ela determinados. Se, como propõe Foucault, as instituições produzem os sujeitos que elas querem representar, também é verdade que como sujeitos da história nos é possível definirmos que instituições socioculturais, políticas e económicas, e que matrizes de masculinidade e feminilidade queremos ver consolidadas e perpetuadas na história que decidimos construir nas nossas realidades.

Os géneros e a violência de género não são dados naturais subordinados a determinantes biológicos definidos pelos sexos. São na verdade resultantes de nossas construções históricas e culturais de masculinidades e feminilidades e, portanto, passíveis de transformações. Por isso, é possível repensarmos e reinventarmos o masculino e o feminino nas nossas realidades vividas, e as relações entre homens e mulheres que nelas produzimos, a fim de superarmos violências e desigualdades que oprimem mulheres e homens.

 

Este texto foi apresentado num encontro que teve lugar em Maputo, de 26 a 27 de Novembro de 2013, com o tema “Violência de género, cultura e direitos humanos”. Este evento foi uma iniciativa da WLSA Moçambique em conjunto com outros parceiros da sociedade civil e do governo.

 

Referências:

Butler, J., 2003. Problemas de género: Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira.

Foucault, M., 1980. História da sexualidade 1: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal.

Geertz, C., 1989. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC Editora.

Kuper, A., 2002. Cultura: a visão dos antropólogos. Bauru, SP: EDUSC.

Osório, C.; Macuácua, E., 2013. Os ritos de iniciação no contexto actual. Ajustamentos, rupturas e confrontos. Construindo identidades de género. Maputo: WLSA Moçambique.

Passador, L. H., 2008. “Eating Alone” or When Modernity Feeds Tradition: Money and Magic in Southern Mozambique. In: Vibrant – Virtual Brazilian Anthropology, vol. 5, n° 2, pp. 100-129.

_________________, 2009. “Tradition”, person, gender, and STD/HIV/AIDS in southern Mozambique. In: Cadernos de Saúde Pública, vol. 25, n° 3, pp. 687-693.

_________________, 2010. “As mulheres são más”: pessoa, género e doença no Sul de Moçambique. In: Cadernos Pagu, Campinas, n° 35, pp. 177-210.

_________________, 2011. Guerrear, casar, pacificar, curar: o universo da “tradição” e a experiência com o HIV/Aids no distrito de Homoíne, Sul de Moçambique. Tese de Doutoramento em Antropologia Social. Campinas: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, 267 pp.

Scott, Joan W., 1995. “Género: uma categoria útil de análise histórica”. In: Educação e Realidade, vol. 20, n° 2, pp. 71-99.

 

Nota:

1. Doutor em Antropologia Social e professor adjunto da Universidade Federal de São Paulo, Brasil.

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