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O casamento prematuro como violação dos direitos humanos. Um exemplo que vem da Gorongosa

Maria José Arthur

 

Publicado em “Outras Vozes”, nº 31-32, Agosto-Novembro de 2010

 

O casamento prematuro é endémico em Moçambique, o que quer dizer que se está perante um fenómeno habitual e de grande incidência. Moçambique encontra-se entre os países que, ao nível mundial, apresentam um maior número deste tipo de uniões forçadas: encontra-se em 7º lugar nesta lista, depois do Níger, do Chade, do Mali, do Bangladesh, da Guiné e da República Centro Africana, contabilizando mais de metade de mulheres que se casam antes dos 18 anos1 (veja a tabela mais à frente).

Como alerta o FNUAP (2003), o casamento prematuro é revelador da discriminação existente e, acima de tudo, da discriminação na maneira como as famílias e as sociedades tratam as meninas e os meninos. A desigualdade no tratamento manifesta-se na desproporcionalidade no nível de atenção e investimento entre crianças dos dois sexos na saúde, na nutrição e na educação. As meninas enfrentam normalmente mais privações e falta de oportunidades.

Com este texto pretende-se rever o enquadramento legal aplicável a Moçambique em relação ao casamento prematuro e a sua incidência, e discutir uma tentativa de criminalizar os implicados num caso de casamento prematuro (pai, mãe e o homem a quem foi entregue a criança), envolvendo uma menina de 9 anos, na Gorongosa.

Enquadramento legal

O casamento pressupõe, antes de mais, o livre consentimento das partes. A Lei da Família, aprovada em 2004 (Lei nº 10/2004), define-o como: “a união voluntária e singular entre um homem e uma mulher, com o propósito de constituir família, mediante comunhão plena de vida (Artigo 7, Noção de casamento). Então se pegarmos nesta definição, todas as uniões que não obedecerem ao carácter “voluntário” e “singular”, não são efectivamente “casamentos” perante a lei. Esta última característica “singular” refere-se ao casamento monogâmico, enquanto o “voluntário” diz respeito ao consentimento das partes.

Neste contexto, podemos interrogar-nos: quem está em condições de dar o seu consentimento ao casamento? Uma criança, por exemplo, que não tem maturidade suficiente para avaliar a extensão dos compromissos que assume ao casar-se, estará em condições de consentir? É que esta tomada de decisão implica um conhecimento, ou seja, deve ser uma “decisão informada”. Na Lei da Família, por exemplo, a idade núbil é fixada em 18 anos para os dois sexos, embora se possam fazer excepções que autorizem o casamento a partir dos 18 anos, desde que fundamentadas para posterior avaliação. Lembremos que, segundo a Convenção Sobre os Direitos das Crianças (aprovada na 44ª sessão da ONU, 1989 e ratificada pelo Conselho de Ministros, resolução nº 19/90, no BR, I Série, nº 42, 23/10/1990), a criança é definida como todo o ser humano com menos de dezoito anos, excepto se a lei nacional conferir a maioridade mais cedo. A mesma definição de criança é subscrita pela Carta Africana dos Direitos e Bem-estar da Criança (XXVI Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo da OUA, 1990 e ratificada pelo Conselho de Ministros, resolução nº 20/98, no BR, I Série, nº 21 – 6º Suplemento, de 2/6/1998).

Assim, porque uma pessoa com idade inferior a 18 anos (criança) não é capaz de dar o seu consentimento válido para se casar, os casamentos em que ambas ou apenas uma das partes é menor de idade, são considerados como uniões forçadas, o vulgarmente chamado casamento prematuro. Uma Relatora especial das Nações Unidas para o tráfico de pessoas, em particular mulheres e crianças, Sigma Huda (2007), vai mais longe: “o casamento imposto a uma mulher não pela força explícita, mas submetendo-a a pressão implacável e/ou manipulação, muitas vezes dizendo-lhe que a recusa de um pretendente irá prejudicar a sua família na comunidade, também pode ser entendido como forçado”.

Por estas razões, o casamento prematuro é condenado tanto ao nível do sistema universal dos direitos humanos, como em instrumentos legais regionais e nacionais. Vejamos em seguida quais são as provisões que dizem respeito a esta violação dos direitos das crianças e das mulheres.

Começando com a Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (1979) (ratificada pela Assembleia da República, resolução nº 4/1993, no BR, I Série, nº 22, de 2/6/1993), podemos ver que há um princípio de base, definido no seu artigo 1:

“Para efeitos da presente Convenção, a expressão “discriminação contra a mulher” referir-se-á a toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objecto ou resultado menoscabar ou anular o reconhecimento, o gozo ou exercício por parte da mulher, independentemente do seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nas esferas política, económica, social, cultural e civil ou em qualquer outra esfera”.

Esta Convenção vincula os estados a tomarem medidas efectivas para acabar com a discriminação das mulheres nas leis e práticas (art. 2) e mais adiante estabelece que:

“Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para: a) Modificar os padrões socioculturais de conduta de homens e de mulheres, com vista a alcançar a eliminação dos preconceitos e das práticas consuetudinárias e de qualquer outra índole que estejam baseadas na ideia da inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de homens de e de mulheres” (art. 5).

Por seu turno, a Convenção Sobre os Direitos das Crianças (já referida mais acima), estabelece que “a criança, para o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade, deve crescer num ambiente familiar, em clima de felicidade, amor e compreensão” (artigo 1).

E que: “Todos os direitos se aplicam a todas as crianças sem excepção. O Estado tem obrigação de proteger a criança contra todas as formas de discriminação e de tomar medidas positivas para promover os seus direitos” (art. 2, nº 1).

Esta Convenção define também o “Interesse superior da criança” (art. 3), que diz que o estado é, em última instância, responsável por garantir os cuidados adequados à criança, quando os pais, ou outras pessoas responsáveis por ela não tenham capacidade para o fazer”. Quer isto dizer que o garante máximo dos direitos das crianças é o estado. Por isso, mesmo que elas se encontrem à guarda dos pais ou outro representante legal, o estado deve intervir se houver violação dos seus direitos. É isso que diz o artigo 19:

“1. Os Estados Partes tomam todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educativas adequadas à protecção da criança contra todas as formas de violência física ou mental, dano ou sevícia, abandono ou tratamento negligente; maus tratos ou exploração, incluindo a violência sexual, enquanto se encontrar sob a guarda de seus pais ou de um deles, dos representantes legais ou de qualquer outra pessoa a cuja guarda haja sido confiada”.

Também é dado um grande destaque à violência sexual:

“Os Estados Partes comprometem-se a proteger a criança contra todas as formas de exploração e de violência sexuais. Para esse efeito, os Estados Partes devem, nomeadamente, tomar todas as medidas adequadas, nos planos nacional, bilateral e multilateral para impedir:

a) Que a criança seja incitada ou coagida a dedicar-se a uma actividade sexual ilícita” (Artigo 34).

Esta legislação estatui, clara e irrefutavelmente, o direito à maior protecção das crianças. Não devem constituir barreiras para o exercício dos seus direitos nem a vontade dos pais ou seus tutores legais, nem práticas religiosas ou culturais em uso no contexto em que se encontra a criança.

Todas estas medidas encontram correspondência na legislação nacional, nomeadamente na Constituição da República, na Lei de Bases de Protecção de Menores (Lei nº 7/2008) e no Código Penal, entre outras.

Por isso, quando em presença de um casamento prematuro, há matéria legal para intervir no sentido de proteger a criança e criminalizar todos os responsáveis envolvidos: i) os pais ou responsável legal que entregou a criança; ii) o adulto que recebeu a criança e a mantém para fins de exploração laboral e sexual.

Que direitos estão a ser negados com o casamento prematuro? Se nos guiarmos pela Convenção sobre os Direitos da Criança, são os seguintes (Bruce, 2002, citado por FNUAP, 2003):2

  • O direito à educação (artigo 28).
  • O direito a ser protegida contra todas as formas de violência física ou mental, dano ou abuso, inclusive sexual (artigo 19) e de todas as formas de exploração sexual (artigo 34).
  • O direito ao gozo do mais alto nível possível de saúde (artigo 24).
  • O direito à informação escolar e profissional e orientação (artigo 28).
  • O direito de procurar, receber e transmitir informações e ideias (artigo 13).
  • O direito ao descanso e lazer, e de participar livremente na vida cultural (artigo 31).
  • O direito de não ser separada de seus pais contra a sua vontade (artigo 9).
  • O direito à protecção contra todas as formas de exploração que afectem de qualquer modo o bem-estar da criança (artigo 36).

Vejamos agora que dados existem sobre a frequência e extensão deste problema.

O casamento prematuro, a situação em Moçambique e seu impacto para os direitos e a saúde das crianças

Enquanto os casamentos forçados e precoces se tornaram cada vez menos comuns entre os sectores mais ricos da sociedade em todas as regiões do mundo, eles ainda são frequentes em África e no Sul da Ásia. A tabela a seguir ilustra a situação:

 

Nível Nome do país % de raparigas casadas antes dos 18 anos
1 Níger 74,5
2 Chade 71,5
3 Mali 70,6
4 Bangladesh 66,2
5 Guiné 63,1
6 República Centro-Africana 57,0
7 Moçambique 55,9
8 Burkina Faso 51,9
9 Nepal 51,4
10 Etiópia 49,2
11 Malawi 48,9
12 Madagáscar 48,2
13 Serra Leoa 47,9
14 Camarões 47,2
15 Eritreia 47,0
16 Uganda 46,3
17 Índia 44,5
18 Nicarágua 43,3
19 Zâmbia 41,6
20 Tanzânia 41,1

Fonte: ICRW (2010). Analysis of Demographic and Health Survey (DHS) data. Most recent surveys for all DHS surveyed countries. Rankings are based on data in which women ages 20 – 24 reported being married by age 18 (www.icrw.org/child-marriage-facts-and-figures)

 

Esta tabela confirma que o casamento prematuro está localizado sobretudo em países mais pobres e de menores rendimentos. A UNICEF estima que em média, no continente africano, 42% das mulheres entre os 15 e os 24 anos estavam casadas antes de terem completado os 18 anos (UNICEF, 2005).

Para Moçambique, o Inquérito de Indicadores Múltiplos 2008 (INE, 2009) fornece alguns dados recentes. Neste inquérito, os dois indicadores de casamento infantil usados são a percentagem de mulheres raparigas casadas antes dos 15 anos de idade e a percentagem de mulheres raparigas casadas antes dos 18 anos de idade.

Começando pela variável urbano/rural, vemos que:

 

Urbano Rural
Percentagem de casadas antes dos 15 anos de idade 11,2 21,4
Percentagem de casadas antes dos 18 anos de idade 42,4 56,4
Percentagem de mulheres com idades entre os 15-49 anos casadas/em união em regime de poligamia 15,7 27,2

 

Vejamos os mesmos indicadores por províncias seleccionadas:

 

Niassa Cabo Delgado Zambézia Manica Maputo Cidade
Percentagem de casadas antes dos 15 anos de idade 24,2 29,6 22,3 20,8 3,9
Percentagem de casadas antes dos 18 anos de idade 59,1 70,0 57,2 58,1 24,9
Percentagem de mulheres com idades entre os 15-49 anos casadas/em união em regime de poligamia 18,7 23,1 18,3 36,8 10,1

 

Considerando o grau de escolarização temos que:

 

Nunca foi à escola Primário Secundário ou mais
Percentagem de casadas antes dos 15 anos de idade 24,0 18,0 3,0
Percentagem de casadas antes dos 18 anos de idade 57,2 54,2 20,6
Percentagem de mulheres com idades entre os 15-49 anos casadas/em união em regime de poligamia 30,2 22,0 10,7

 

Para o total do país, os dados são como se segue:

 

Total do país
Percentagem de casadas antes dos 15 anos de idade 17,7
Percentagem de casadas antes dos 18 anos de idade 51,5
Percentagem de mulheres com idades entre os 15-49 anos casadas/em união em regime de poligamia 23,7

 

Com base no conjunto das tabelas constatamos que o casamento prematuro é mais frequente nas seguintes situações:

  • Em área rural
  • Nas províncias do Norte e do Centro
  • Quando as meninas são menos escolarizadas

Isto mostra que quanto mais as crianças se encontram em situações desfavorecidas (zonas rurais com pouco acesso à escola e com menores níveis de rendimento, zonas Centro e Norte do país, com menor investimento tanto na esfera económica como sociocultural), menos oportunidades têm de gozar dos seus direitos.

Portanto, falar em casamento prematuro é falar em discriminação. Discriminação das raparigas em relação aos rapazes e discriminação entre as crianças de sexo feminino, consoante, entre outros, o nível de rendimentos da sua família e a sua escolarização.

As crianças que vivem nestas uniões forçadas, para além de se verem impossibilitadas de gozarem dos seus direitos, sofrem severas consequências no que diz respeito ao seu bem-estar psicológico e emocional, à sua saúde reprodutiva e às suas oportunidades educativas e na vida como adultas. Vejamos a seguir alguns destes efeitos, inventariados a partir de pesquisas em vários países (UNICEF, 2001).

 

A criança é afectada psicologicamente

Uma criança forçada a unir-se a um homem mais velho para viver como sua esposa, arruína a sua infância. Não só perde a liberdade e possibilidades de desenvolvimento pessoal, como também sofre de profundas consequências psicológicas e emocionais, algumas das quais não são abertamente perceptíveis. Porque estas uniões são forçadas, geralmente as crianças ou raparigas sentem-se infelizes, frequentes vezes não têm com quem falar e vivem na solidão.

 

A saúde da criança e os seus direitos sexuais e reprodutivos são afectados

No que concerne as relações sexuais neste tipo de uniões forçadas, a vontade da menina ou a aceitação de manter relações sexuais é irrelevante. O seu direito a decidir ter ou não relações sexuais é um dos primeiros a ser negado. O acesso a meios anticoncepcionais é reduzido, considerando que a criança não tem conhecimentos e porque se espera dela que comece a reproduzir. Por sua vez, a gravidez traz enormes riscos para a sua saúde: aumento do risco de mortalidade materna, partos longos e complicados e fístula obstétrica. De mencionar ainda que uma menina tem menos poder para negociar com o parceiro adulto meios para se proteger de ITS (infecções de transmissão sexual) como o SIDA, e menor possibilidade de reagir à violência doméstica.

 

É negado o direito à educação

A negação do direito à educação interfere com o direito das crianças à educação, mas também com o desenvolvimento da sua personalidade, a sua preparação para a idade adulta e as possibilidades e oportunidades de emprego. Perderá igualmente importantes espaços de socialização e de fazer amizades, pelo que provavelmente será uma adulta que viverá em maior isolamento do que as outras.

O exemplo da Gorongosa: tratamento judicial de um caso de casamento prematuro

O caso chegou aos tribunais em 2009, mas todo o processo se iniciara antes. A informação que consta no processo do julgamento permite reconstituir os factos que ocorreram ao nível familiar, como a seguir se apresenta (os nomes são fictícios):

  1. Uma menor de 14 anos, Ester, vivia com a mãe e o padrasto e foi prometida em casamento a um homem de 18 anos (Raul), que pagou o lobolo (50 Mt) e despesas adicionais (2.000 Mt);
  2. O pai de Ester, que não residia na Gorongosa, quando soube que a filha se ia casar veio buscá-la, invalidando assim o acordo matrimonial;
  3. O padrasto de Ester (Carlos) pediu ao pai desta que lhe entregasse 2.000 Mt, por conta das despesas que fizera com o seu sustento, no que foi atendido;
  4. De posse deste dinheiro, Carlos desapareceu para parte incerta (foi capturado mais tarde) e, quando Raul veio exigir que lhe fosse devolvido o dinheiro que gastara, a mãe de Ester, sem condições para o reembolsar, entregou a filha, Antónia, de 9 anos de idade, para substituir a irmã como esposa de Raul;
  5. Conforme ficou anotado pelas declarações, a entrega de Antónia a Raul não se destinava à consumação imediata do casamento, mas era para se irem conhecendo, para que só mais tarde se iniciasse a vida sexual do “casal”.

O caso chegou ao conhecimento do agente policial em serviço no Gabinete de Atendimento da Mulher e da Criança na sede do distrito da Gorongosa que, após averiguações iniciais enviou a informação ao Procurador. Perante os factos, o pai e a mãe de Antónia e Raul, o adulto a quem foi entregue a criança, ficaram detidos cerca de dois meses até ao julgamento.

Como parte da instrução do processo foi pedido um exame médico que mostrou que Antónia tinha o hímen lacerado há tempo indeterminado, ou seja, já tivera relações sexuais. Todavia, e perante a recusa de Raul, não se conseguiu provar que tinha sido este a violar a menor.

Os pais da menor foram libertados, por se considerar que não tinham infringido nenhuma lei.

O julgamento de Raul realizou-se em Abril de 2009 e pela leitura do acórdão pode constatar-se o seguinte:

  1. Não se provou a violação da menor por Raul;
  2. Raul foi condenado por atentado ao pudor (art. 391 do Código Penal), por ter forçado a menor a viver com ele em condições que ofendem a sua intimidade e privacidade, como se se tratasse de uma adulta;
  3. Não se consideraram agravantes;
  4. Tomaram-se em conta as seguintes atenuantes (art. 39 do Código Penal):6º. – “O imperfeito conhecimento do mal do crime”;
    8º. – “A imprevidência ou imperfeito conhecimento dos maus resultados do crime”;
    9º. – “A espontânea confissão do crime”;
  5. Raul foi condenado a 4 meses de prisão.

Este caso, por mais insatisfatório que seja em termos do resultado final, é um precedente na actuação da justiça, tanto quanto é do nosso conhecimento. Ao longo dos anos e coexistindo com discursos de defesa dos direitos das mulheres e crianças, os casamentos prematuros têm beneficiado de grande impunidade, a coberto da defesa das tradições e da cultura. Se bem que a criminalização dos agressores seja só uma vertente para a erradicação deste e de outros tipos de crimes, não deixa de ser verdade que ao acabar com a cultura de impunidade se está a dissuadir outros possíveis infractores.

Para eliminar de vez os casamentos prematuros e uma das mais graves violações dos direitos das meninas e raparigas, já temos a lei. Mas perguntamo-nos: haverá vontade política? É compatível com um sistema democrático a permanência de práticas que retiram liminarmente os direitos de uma parte da população? Esperamos que, apesar de toda a complacência – quase oficial – o exemplo da Gorongosa possa frutificar e que seja possível condenar judicialmente todos os que, pelo país inteiro, são responsáveis pela perpetuação destas uniões forçadas com o fim de exploração sexual e laboral.

 

Referências:

 

Notas:

  1. Informação do ICRW – International Centre for Research on Women (www.icrw.org/child-marriage-facts-and-figures).

  2. Bruce, J., 2002. “Married Adolescent Girls: Human Rights, Health and Developmental Needs of a Neglected Majority.” United Nations Special Session on Children, New York, 8-10 May 2002.

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