O que é a violência doméstica?
A violência contra as mulheres e mais concretamente a violência doméstica contra as mulheres tem sido apresentada como uma manifestação de amor e de ciúme e como sendo “normal”. Muitas pessoas dizem até que a violência doméstica não é crime pois se trata de um “direito” do marido, sempre que a esposa lhe faltar ao respeito ou for teimosa.
Por causa desta maneira de ver as coisas, que tirava às mulheres o direito à igualdade na família e o direito a viver em paz e sem temer pela sua integridade física, a violência doméstica ficava escondida nas casas. Ninguém falava ou se queixava: as mulheres eram educadas a aceitar que o marido lhes batesse e os homens eram ensinados a bater na sua esposa sempre que esta não se comportasse daquela maneira que se esperava (ser obediente ao marido era a principal qualidade).
Hoje em dia, nós, as mulheres, exigimos os nossos direitos como seres humanos e queremos viver uma vida livre de violência, dormindo em paz e sem temer agressões constantes do marido ou do companheiro, que devem ser quem presta apoio e solidariedade.
Hoje em dia, nós, as mulheres, denunciamos a violência doméstica como um dos mais graves atentados aos direitos humanos das mulheres e como uma forma de controle para manter a dominação masculina. Como tal, exigimos uma intervenção estatal, no sentido de garantir que possamos exercer plenamente os nossos direitos de cidadania, sem estar sujeitas a essa forma de terrorismo.
Para combater de forma eficaz a violência doméstica contra as mulheres precisamos, primeiro, de ter uma lei adequada. Em seguida, precisamos que as várias instâncias do sistema de justiça, desde polícia aos tribunais, se dispam dos seus preconceitos e reconheçam que nenhuma violação dos direitos humanos é aceitável, mesmo que ocorra ao nível doméstico, no âmbito familiar. Alguns passos importantes foram dados ao nível da PRM, mas ainda falta muito por fazer.
A realidade da violência doméstica é tão grave, que exige uma intervenção imediata:
- A vítima deve ser apoiada para que se possa recuperar dessa situação tão traumática;
- O agressor deve ser punido de acordo com a gravidade do crime;
- Nas escolas, os jovens devem ser educados nos valores da igualdade entre mulheres e homens e para saberem valorizar o diálogo como forma de resolução de conflitos.
A violência doméstica contra as mulheres não é
uma coisa abstracta, tem uma face humana
Vejamos alguns testemunhos recolhidos em Chiango, DU 4, em Maputo, a 7 km da cidade capital, pela Rádio Muthiyana (Associação das Mulheres na Comunicação Social – AMCS)
Teresa Mboa é uma mulher que sofreu violência doméstica. Ela diz: “é preciso ensinar outras mulheres que não conhecem a Lei que lhes defende. Elas vivem no escuro e não têm ninguém para as tirar dessa má situação. Enquanto não houver informação ou exemplos concretos de mulheres que já se sentem defendidas pela lei, as mulheres não podem sair desse problema”.
Maria é testemunha de violência doméstica: “Ele batia nela até ficar mal e acabaram por se separar. Até hoje ela tem problemas de pulmões. Hoje ela vive sozinha com a filha e não chegou a meter queixa na esquadra. O problema de nós, as mulheres, é que não denunciamos os nossos maridos quando nos fazem mal, ficamos em silêncio”.
Outras opiniões recolhidas pela Rádio Muthiyana:
Mulher
“Um homem que bate a mulher e os filhos é cobarde, não pensa e não tem estudo e tem medo que a mulher assuma a direcção da família, é machista…”
Homem
“Um homem verdadeiro não bate na mulher e filhos. Esse não sabe o que quer na vida real…”
Mulher
“Um homem que bate na mulher é agressivo e mal educado para com a família e não está a dar bom exemplo. Os pais não devem ser agressivos. Devem educar aos filhos do modo a haver entendimento na família”.
Homem
“Homem que bate na mulher é maldoso porque um chefe de família não deve maltratar a própria família”.
Mulher
“Homem que bate a mulher é violento e não ama a sua família”.
Homem
“Homem quando bate na mulher é porque não foi suficientemente educado. Não precisa de bater é só sentar e falar com ela”.
Mais testemunhos de mulheres que sofrem de violência doméstica (recolhidos pela WLSA Moçambique)
Mulher que vive em união de facto, membro de uma organização de base, cidade de Maputo:
“Não foi fácil chegar aos dias de hoje ainda na companhia deste meu marido. Devíamos ter separado ainda quando eu amamentava o meu primeiro filho que tive com ele, tive muita paciência para eu ainda estar com ele. Passava a vida a bater-me, andava com outras mulheres à frente de mim, mandava-me embora e às vezes eu dormia na cozinha. O nosso primeiro filho foi desamamentado enquanto dormia nos sacos, até que veio a mãe dele falou com ele e procurou saber afinal o que é que ele estava a fazer. E mesmo assim não tomava a peito o que a mãe dizia. (…) Depois entrei para um projecto de geração de rendimento. (…) Consegui pelo menos procurar a vida para ajudar a minha casa. (…) Ele faz a vida dele lá fora, satisfaz-se lá fora e nunca faz nada para deixar-me feliz… O que ele diminuiu um pouco agora foi a porrada, por ter medo dos meus pais. Como vocês vêem estas cicatrizes foram originadas por porrada. Os meus pais disseram que haviam de lhe meter na cadeia e como ele conhecia o local onde meu pai trabalhava ficou assustado. Mas em relação a outros aspectos como não mostrar-me o vencimento, envolver-se com outras mulheres e fome em casa em casa, ele não mudou, continua o mesmo”.
Testemunho da 2ª esposa de um polígamo (tem três mulheres), de quem se veio queixar ao Gabinete na esquadra da Maxixe por motivo de agressão:
O meu marido bate-me. Os meus pais já tentaram falar com ele, porque o que ele tem são ciúmes demais, porque não quer que eu saia sozinha. Quando eu vou buscar água, diz ele diz: “vai com a rival” (refere-se às outras co-esposas). Diz à rival: “vai você lhe acompanhar para ela ir buscar água”.
A mim não é tanto a porrada me choca bastante, embora seja difícil. Porque às vezes bate e no dia seguinte diz que: “eu te bati porque estava grosso”. Mas o que me irrita muito, é na queimada de roupa, porque não é pela primeira vez, é a segunda vez. (…) Eu vivo na base de medo porque o que apanha, é machado, é catana, é pedra, usa para bater. Doutra vez chegou de me bater com uma pedra, fiquei ferida e também vim até à polícia. (…)
Com as outras rivais (as outras esposas) entendemo-nos quando o marido não estiver. Porque quando o marido está agita as duas para não se entenderem comigo.